nanocontos

Histórias de poucas linhas e muito enredo...

 

I

Deambulava sem destino, indiferente à indiferença dos que por ele passavam. Cruzou-me o olhar e calado perguntou-me “Levas-me contigo?”. O tempo estagnou! E quando o relógio reanimou respondi-lhe com outra pergunta “Deixas-me ser o teu dono?”. Rebatizei-o de Lost e vivemos felizes para sempre.

 

II

A luz envolveu-me… senti que não lhe podia resistir e abandonei-me! Ela pegou-me, guiou-me a mão, desvendou caminhos insondáveis que me levaram exatamente onde queria estar, embora não consiga precisar o lugar. O dia raiara e era o sol que me acabava a noite…

 

III

Apanhados a apanharem a fruta, apanharam um susto tal que ficaram apanhados para a eternidade! Chamam-se Adão e Eva…

 

IV

Roubaste-me a alma! Mas fui eu que me deixei roubar quando apontaste a câmara… e assim, espoliado, fiquei mais rico porque ganhei o teu olhar.

 

V

A tensão subiu quando percebi que a sombra escondia um vulto assassino pronto a desferir o golpe. Ela continuava a fitar, distante, o horizonte. Então, a adrenalina fez-me entrar pelo ecrã dentro e gritar “Atrás de ti! Atenção!”

 

VI

Eu já viajei no tempo!
Foi numa noite de Agosto, depois do sino de uma torre distante ter batido onze vezes. Fui ter com o ti Alfredo à sua cabana num sítio ermo e escuro, afastado da Fuzeta, mesmo à beira Ria. Chamavam-lhe Aldeia sem Lei - não por ser o abrigo de malfeitores, mas talvez porque as regras dos homens se submetiam às da natureza: o dia e a noite, as marés, a época da desova… os ciclos da vida!
Ajudei o ti Alfredo e o filho, que andava pelos 14 anos, a carregar os apetrechos da faina para o bote e lá partimos, Ria fora, ao encontro do mar e da escuridão. Embalado pelo ronco do motor e pelas ondas, fui observando as luzes a afastarem-se e, já muito no lusco-fusco, os dentes brancos do Zé que trocava olhares cúmplices com o pai e depois me sorria.
A partir de certa altura as luzes da costa quase desapareceram e os pontos brilhantes que dominavam eram as estrelas para onde o ti Alfredo olhava insistentemente. De vez em quando parava o motor, olhava o céu e acertava o rumo.
Por esta altura já eu tinha concluído que valera a pena sacrificar o sono, mas o mais espantoso estava para vir.
No meio de nada, no breu absoluto, apenas guiado pelas estrelas, o ti Alfredo encontrou as bóias das suas fiadas de alcatruzes, que mais não eram que uns blocos de esferovite onde se erguia num pau uma espécie de bandeira esfarrapada. Entretanto a madrugada foi chegando e foi com o alvor nublado da manhã que percebi que, afinal as bóias do ti Alfredo, faziam parte de uma floresta de muitas pertencentes a outros pescadores; também eles conheciam o céu e o lugar preciso das suas bóias.
Eu só pensava “os gajos ainda se guiam pelas estrelas!” e ao olhar para o ti Alfredo e para o Zé, deixei de ver pescadores da Fuzeta e passei a ver dois marinheiros sobre a amurada da caravela, perscrutando o céu e o mar à procura de terra que não sabiam se existia…

 

VI (versão nanonano)

Já viajei no tempo. Olhei para o ti Alfredo, “o tipo guia-se pelas estrelas!...” e deixei de ver um pescador numa traineira. Vi um navegador na amurada, perscrutando o céu e o mar à procura da terra que desconhecia…

 

VII

Enorme! Era de tal forma gigantesco que não cabia no campo de visão do microscópio.

 

VIII

Fui-me a ele, decidido, decepei-lhe os tomates e trinquei-os ali mesmo. O tomateiro agradeceu o alívio da carga.

 

IX

A água corria torrencialmente. Com algum esforço, tentava abrir os olhos e respirava ofegante contrariando a força do caudal. Por fim decidiu que chegava de tanta água, fechou a torneira e pegou no lençol.

 

X

Já não te suporto! Abomino-te, coisa repugnante, esconjuro-te! Há anos não eras assim, mas agora, dia após dia a apontar-me os defeitos, as rugas, os papos, as manchas, os cabelos brancos… Chega! O teu tempo esgotou-se, vou partir-te espelho maldito!

 

XI

Entrei por uma fotografia no meu quintal de criança. Estava lá um garotinho que, com estocadas certeiras, arrancava os Brincos de Princesa à planta; de repente o grito da minha mãe: João! O miúdo desatou a fugir e nem me viu.

 

XII

Saltou do sonho para me acordar, mas não lhe fiz a vontade, fechei os olhos e voltei a sonhar para saber o fim da história.

 

XIII

“Tenho uma coisa para te dizer; o Batman anda a arrastar-me a asa”. Não liguei, mas dois dias depois repetiu. À terceira fiquei apreensivo. Comecei a segui-la e descobri tudo! O raio do melro tinha a mania de se exibir.

 

XIV

Saltou do sonho para me acordar, mas não lhe fiz a vontade, fechei os olhos e voltei a sonhar para saber o fim da história.

 

XV

- O tiro com que me mataste deu-me vida longa no teu consciente!

- A vida longa que te dei com a morte rápida está a matar-me lentamente…

 

XVI

Estava quase em êxtase, depois de horas a sentir o frémito provocado pelo seu toque e pela sua voz embalada na música das ondas, quando sentiu a tremura. Acordou e sorriu ao ler a mensagem “aposto que te fiz vibrar!”

 

XVII

Era uma vez um girino que lhe apetecia correr. Saltou do charco e evoluiu para Homem tanto, tanto, tanto, até que só restaram outos girinos noutro charco e a um deles apeteceu respirar…

 

XVIII

Fechei-me à chave dentro do armário e fui à socapa escondê-la debaixo do tapete para que ninguém a descobrisse. Apetecia-me estar comigo!

 

XIX

O sniper atingiu-a certeiro no coração. Ela não morreu logo! Foi morrendo de amor até que um dia, já muito velho, ele se despediu do alvo e da vida.

 

XX

- Quantas estrelas vês no céu?
- Nenhuma, a tua luz nunca deixa a noite chegar!

 

XXI

Fugia pela sombra do calor quando tropecei no banco. Sentei-me, depois deitei-me. Um cabo rasgava o céu a dois terços - num lado vi o tempo vivido, no outro vi-me sentado naquele banco. Levantei-me e continuei que o calor não era assim tanto...

 

XXII

Tinha acabado de pintar o ocaso. Num impulso arrumei a paleta, montei o cavalete e aqui vou eu a galope até alcançar o Sol. Desculpem a caligrafia irregular!

 

XXIII

Falava com a Diamantina sempre que a montava. Certo dia, depois de muito cavalgar, encostou-a a um canto e gritou-lhe esbaforido “Esgotaste-me!”. Mas a bicicleta desprezou-o, imóvel.