flash profissional

Essencialmente, sou profissional da educação/formação!

Professor de Geografia desde 1988, embora a tenha renegado (temporariamente!), porque a pouco e pouco me fui embrenhando pelos meandros das tecnologias educativas até me entregar por completo...

Em 1998 coordenei um projeto Nónio na escola onde exercia funções e entre 2000 e 2007 integrei a equipa do Centro de Formação e Competência Nónio Proformar (que está na génese do atual Centro de Formação AlmadaForma) onde me dediquei ao desenvolvimento de projetos pedagógicos de/com TIC de âmbito local, nacional e transnacional. A participação ativa em diversos projetos europeus, Comenius e Grundtvig, foi uma experiência pessoal extraordinariamente importante que me permitiu desconstruir muitos preconceitos e estereótipos e consciencializar-me do potencial que existe nas nossas escolas.

Foi também no Centro Proformar que estabeleci o primeiro contacto com a Educação e Formação de Adultos, tendo participado na criação do primeiro Centro RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) de Almada, a funcionar à época na ES Daniel Sampaio e posteriormente na ES do Monte de Caparica. 

Entre 2007 e 2013 fiz parte da equipa do extinto CNO-Cacilhas (Centro Novas Oportunidade da ES de Cacilhas-Tejo) onde exerci, maioritariamente,  as funções de formador de Cidadania e Profissionalidade (no Processo RVCC  de Nível Secundário). No ano de 2012/13 retomei a atividade letiva no ensino regular, função que acumulo com a de Técnico de Orientação, Reconhecimento e Validação no entretanto criado Centro para a Qualificação e o Ensino Profissional da ES Cacilhas Tejo.

 

CURRICULUM VITAE - Europass

 


 

autobiografia reflexiva

Uma história de vida, ou a história de uma vida?

Em qualquer caso e ainda que em breves apontamentos, representa um esforço enorme pelas tantas memórias que há que desempoeirar para entre elas escolher as que mais indelevelmente nos marcaram; as que foram decidindo a pessoa que somos. Optei por definir contextos e, em cada um destes, tentar encontrar os átomos e outras partículas da minha identidade. Este é um exercício de autoanálise e simultaneamente, um desafio: traduzir em palavras pensamentos que fui desenvolvendo mas que nunca expressei com a convicção que o texto escrito, porque permanece escrito, exige.

 

Ainda uma nota: enquanto formador de Cidadania e Profissionalidade no Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências - Nível Secundário, propunha aos formandos a evidenciação de competências nas suas Autobiografias. Resolvi fazer o mesmo; por isso, a verde encontram-se assinaladas as competências de CP, que foram desenvolvidas de acordo com os critérios de evidência do Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos - Nível secundário.

 


O país que me fez crescer

 

1961, o princípio do fim do Salazarismo. Nasci e cresci no ambiente turbulento de um país em guerra com o Mundo e consigo próprio, numa família comum que, como tantas outras, se diluía nos valores dominantes - Deus, pátria, trabalho...


Durante os treze anos seguintes, a guerra em África , sem nunca ser tema de conversa, viria a estar omnipresente na minha existência: - eram os primos que lá estavam e os que já por lá tinham passado; era um dos meus irmãos que estava prestes a deixar a adolescência; eram as histórias que se ouviam; e era o meu pai, agente da PSP, que para não ser mobilizado para o "ultramar", se tinha voluntariado para a Companhia Móvel (vulgus polícia de choque).


Entretanto, lá fui crescendo, por entre medos escondidos e nervos dominados a custo, em cada vez que uma carrinha azul vinha buscar o pai, às vezes durante a noite, sem nunca se saber bem para onde, nem para o quê. Depois, lá voltava, outra vez nervoso... e silencioso! Dessas coisas não se falava, nem tão pouco da pistola e outros apetrechos que estavam a salvo de olhares mais curiosos no local mais resguardado da casa, uma espécie de "santo dos santos".

Desses anos, vividos na Rua da Penha de França, em Lisboa, guardo ainda mais algumas memórias. Aprendi a andar (fui retardatário!) num hospital, quando fui visitar o meu pai que estava internado. Tinha sofrido uma cirurgia; não me lembro a quê, mas retenho a cor do pijama que tinha vestido.


Lembro-me também da minha mãe, sempre piedosa, na Igreja, com um véu de renda na cabeça muito compenetrada nas suas orações, enquanto eu analisava os rostos sofredores e estáticos dos santos nos seus altares. E do lagarto negro, enorme, que havia por cima da porta do cartório; e do quadro do inferno que também lá estava, envolto na neblina de uma lenda qualquer que narrava peripécias de um padre milagreiro.


Por vezes, aos Domingos, terminada a infalível Missa, outro ritual que não se podia perder era a demonstração de operacionalidade e vigor que as hordas da Legião Portuguesa, cujo quartel era logo ali ao lado, faziam pelas ruas, enchendo de risos escondidos quem passava. Ao desacerto dos tambores aí iam os desacertados legionários tentando apertar as barrigas proeminentes dentro da farda.


Bem vistas as coisas, com a clareza que a distancia temporal permite, as fardas foram um elemento importante dos meus primeiros anos: era o cotim dos legionários, mas também aquela combinação verde e castanha, da Mocidade Portuguesa (o meu irmão mais velho era Chefe de Quina ou de "esquina" como se dizia!); era o preto e branco duma ordem de freiras que me iniciaram nos meandros da espiritualidade; era, claro, a farda cinzenta do meu pai e era também a bata branca, que era a farda de quem estava prisioneiro dos deveres escolares.
Recordo o terramoto de 68, a bicharada dos quintais em alvoroço, a cama a trote pela casa e os vizinhos com comportamentos mais estranhos que o costume.


E recordo a voz do comentador José Mensurado, em 69, tentando dar cor às imagens a preto e branco dos primeiros passos do Homem na Lua. As imagens pouco nítidas reforçavam o ceticismo da minha avó a quem, para explicar as coisas de que pouco entendia, bastavam as razões divinas. Eu, pelo contrário, com a emoção com que qualquer miúdo vive as viagens espaciais, estava siderado a ver e ouvir os astronautas …

 

Vivemos naquela casa até 1973 e foi nesse ano que atravessei pela primeira vez a ponte que ainda era de Salazar e que me trouxe definitivamente para a “outra banda”. Por essa altura, o meu pai já havia deixado de ser um fiel servidor da Nação e passara a ser um fiel servidor num banco da baixa lisboeta. A minha mãe, por seu lado, continuava a ser a fiel servidora da família. Foi a meio do quadro familiar simples do vaivém para a escola, para o trabalho ou para o mercado (conforme os casos) e  que fazia lembrar uma célebre lição do também célebre Livro de Leitura da Terceira Classe, que a Revolução dos Cravos chegou. Surpreendendo-me, primeiro, mas conquistando cada vez mais espaço na minha lista de interesses, à medida que o tempo ia passando.

Os anos subsequentes à revolução foram conturbados em todo o país, mas muito especialmente a Sul do Tejo. As manifestações mais intensas de revolta pelo passado recente e de reivindicação dos novos valores de liberdade, justiça social e democracia e o confronto e debate de ideias e opções, apanharam-me a meio do Liceu e faziam parte das acaloradas discussões que tinha com os meus amigos, onde se defendiam até à exaustão grandes ideias pouco fundamentadas.


Foi um tempo importante em que recolhi avidamente informações sobre o passado que me permitiam compreender tantas coisas daquele presente tão confuso. E ao mesmo tempo que adquiria a bagagem de conhecimento histórico que continuamente comparava com as minhas experiências de vida, alicerçava a consciência cívica e política. Aprendi uns acordes de guitarra e as canções durante tanto tempo silenciadas. Observei com atenção a sucessão de manifestações e contramanifestações. Sobre todos os assuntos emiti opiniões convictas, quase sempre depois de as ler ou ouvir do autor original...  

 

(CP8 Institucional) Por essa altura eu integrava um grupo de jovens da comunidade católica onde residia, que era muito diversificado quanto às origens, às idades, género, condição económica e ideologia política. Havia trabalhadores de várias áreas profissionais, estudantes do Ensino Secundário e do Ensino Superior. Unia-nos um forte espírito de comunidade e uma ideia de Igreja interventiva no plano espiritual mas também social. Esforcei-me, como os meus amigos por ter essa atitude proativa e empenhei-me com eles em transformar alguns princípios em atos solidários concretos. Embora enquadrados numa organização de inspiração católica, a nossa intervenção cívica ultrapassava as fronteiras psicológicas da paróquia e era ponto de honra para todos manter a independência e autonomia em relação ao poder religioso instituído, o que aliás nos valeu várias vezes condenações sumárias como as de renegados, comunistas, defensores da teologia da libertação ou mesmo hereges. Estas pressões só alimentavam a fogosidade da nossa juventude e davam-nos a força necessária para continuar a intervir editando jornais, fazendo teatro, promovendo encontros, debatendo todos os assuntos sem tabus; mas também cantando, jogando à bola, acampando, invadindo o mar da Caparica. Na verdade foi entre pares que desenvolvi as ideias de comunidade, liberdade e responsabilidade.  

 

(CP1 Institucional, CP6 Institucional) Hoje reconheço que a minha consciência política resulta destes dois vetores: as experiências vividas no tempo da ditadura logo seguidas das experiências vividas na liberdade. A liberdade chegou e abriu caminho à democracia que foi avançando titubeante, a princípio, mais confiante à medida que o fantasma do fascismo se desvanecia. Os portugueses habituaram-se depressa, creio, à democracia e eu, pessoalmente, interessei-me cada vez mais em conhecê-la e compará-la com as alternativas que a História e a Ciência Política me ajudaram a conhecer. A liberdade de pensamento e de expressão, o pluralismo e o respeito por todas as ideias mesmo que minoritárias, são valores que fui interiorizando e que ainda hoje norteiam a forma como quero estar presente e ativo na nossa sociedade.

 

Em 1979 viria a exercer pela primeira vez o meu dever de voto numas eleições autárquicas. Não, não me enganei! Embora a Constituição do Portugal democrático consagre o voto como um direito, considero-o também um dever moral e cívico de participação na vida política do meu país, ou seja na tomada de decisões que nos vão responsabilizar a todos perante a História. Votar escolhendo os nossos representantes, a quem mandatamos para tomar decisões em nosso nome, é uma das formas de participarmos ativamente, embora indiretamente, na governação do país. “O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição” (Artigo 10.º da Constituição da República Portuguesa); “a participação direta e ativa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos” (Artigo 109.º da CRP).

E assim me fui tornando militante sem filiação partidária. Militante da liberdade, do pluralismo e da política... ou da coisa pública, para que não restem confusões! Todas estas aprendizagens ocorreram enquanto me metamorfoseava de menino em homem, o que acarretava mais aprendizagens; de outro tipo, naturalmente, mas igualmente importantes!

Entretanto, decidi unilateralmente que depois da independência cultural, política e parental, era chegada a hora da independência financeira - fui trabalhar, tendo obtido o acordo familiar, na condição de continuar os estudos à noite. E assim foi; (CP8 Privado) uma mistura de orgulho pela palavra dada e de ambição pessoal, foi-me impelindo a vencer os momentos de fraqueza na autodisciplina escolar que, não sendo nada fácil para quem estuda de dia é ainda muito pior no turno da noite, depois de um dia de trabalho e tendo de ultrapassar apelos muito mais interessantes. Mas eu reconheço que tinha uma vantagem relativamente aos que agora estão na mesma idade: eu tinha a perspetiva que, se aumentasse as minhas qualificações obteria certamente um estatuto socioprofissional de acordo com os meus objetivos a longo prazo. Portanto, resisti (a maior parte das vezes) às tentações e fui ultrapassando (com mais ou menos dificuldade) os obstáculos que foram aparecendo e hoje reconheço que fui eu que decidi, em grande parte, que futuro queria ter, apesar das incertezas e “certezas” próprias da juventude.

Depois de uma experiência de trabalho em part-time numa IPSS (cerca de um ano), iniciei aí a minha vida profissional e contributiva aos 18 anos, como monitor de Atividades de Tempos Livres, enquanto concluía a Matemática do Ensino Secundário e frequentava o Ano Propedêutico que foi a minha primeira experiência de ensino/aprendizagem a distância. (CP3 Privado) No trabalho, que eu pensava que ia ser temporário, formava uma equipa com uma colega que era universitária em Filosofia e que me iniciou nas lides da pedagogia (que ela também andava a estudar). Desenvolvíamos atividades lúdico-pedagógicas com crianças do 1º e 2º ciclos do Ensino Básico, o que quer dizer que trabalhava num mundo que a sociedade atribuía exclusivamente às mulheres e que era efetivamente dominado por elas. Confesso que no início, me incomodavam os olhares indiscretos que me observavam e julgavam, como que exclamando “uma educadora tão grande e com barba!” (que usava à época), quando andava pela rua rodeado de miúdos. Muitas vezes me interroguei se aquele trabalho “feminino” justificaria a independência económica que tinha alcançado. Mas o tempo, a possibilidade de fazer um trabalho criativo, a empatia com os tais miúdos e o muito que aprendi com as colegas, ajudaram-me a ultrapassar o meu preconceito e o estereótipo que eu próprio tinha sobre quem trabalha em educação de crianças. Passei a assumir conscientemente o papel de educador e de modelo masculino numa instituição em que havia eu e 38 mulheres. Posteriormente, vários homens vieram a desempenhar as mesmas funções, tanto naquela instituição como noutras congéneres, o que me leva a pensar que contribui positivamente para uma alteração de mentalidades, quer das pessoas, quer das próprias instituições de educação locais. Aliás, a enorme desconfiança com que foi encarada pela entidade empregadora a minha entrada no quadro de pessoal, desvaneceu-se decorrido pouco tempo.

 

A imagem que melhor representa os meus anos 70, é a de um cadinho repleto de uma matéria amorfa e em ebulição, da qual eu percecionava que resultariam cristais quando arrefecesse, embora não vislumbrasse ainda quais. E os cristais foram-se formando ao longo de mais uma década.

 

Agosto de 1982 ficou marcado pela minha incorporação no Exército. Depois de cinco longos e penosos meses na Escola Prática de Infantaria em Mafra, seguiram-se mais doze no Regimento de Infantaria de Beja. A guerra em África já tinha terminado havia oito anos, mas o "in" ainda estava emboscado numa guerrilha em que os cheiros e os sons de África estavam muito presentes. Mais uma vez, os filmes dos teatros de operações e os relatos ainda frescos de muitos oficiais que fizeram a guerra com o posto que eu agora tinha, constituíram pedras angulares da minha construção do mundo, do meu país e do meu povo. Foi nessa altura, por exemplo, que percebi claramente porque é que a revolução tinha sido perpetrada pelos Capitães, as motivações que os tinham conduzido e o caminho sinuoso que, mais tarde, muitos percorreram e que viria a terminar no 25 de Novembro. Caricato, foi ver alguns desses militares, revolucionários mesmo depois da Revolução, a desfilar perante os dirigentes políticos à época, numa evocação daquela data. Foi também, ouvindo os relatos de quem experienciou os acontecimentos, que compreendi a inevitabilidade da descolonização meio atabalhoada e, sem esquecer os dramas pessoais e familiares decorrentes, percebi que frequentemente as responsabilidades continuam a não ser assacadas a quem foi realmente responsável pela perpetuação de um colonialismo anacrónico que condicionou Portugal ao isolamento, ao atraso e até à chacota internacional.

Mas o Serviço Militar também foi uma oportunidade de crescimento a outros níveis. Com 23 anos assumi o comando de uma unidade operacional composta por 36 homens, 31 dos quais não eram militares de carreira, estavam a cumprir o serviço obrigatório e não tinham qualquer motivação para ali estarem. Era uma unidade de intervenção rápida e, em consequência, todos andávamos armados com munições reais, fosse em exercícios, fosse em ações de patrulhamento fora da Unidade. (CP6 Profissional, CP7 Profissional) Nestas circunstâncias, a gestão de conflitos (que eram praticamente diários) tornava-se um assunto deveras delicado, até porque muitas das missões que eram atribuídas não eram do agrado de ninguém, como era o caso das que colidiam com fins-de-semana ou das que exigiam treino específico para a sua operacionalização. Uma das coisas que fui aprendendo é que a autoridade nunca é imposta de cima para baixo, mas reconhecida de baixo para cima. Um comandante “manda com”, o que implicava sempre que possível a escuta activa dos subordinados e uma atitude cooperante e assertiva com todos. Além disso, cada homem tinha características e competências próprias e era em função delas, das relações sociométricas que se estabeleciam, da auscultação das razões dos militares envolvidos e, evidentemente, do meu próprio juízo, que tomava as decisões que me competiam.

 

1982 foi também o ano em que ingressei na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa no Curso de Geografia, embora só tenha começado a frequentar as aulas dois anos depois, quando terminei o Serviço Militar, já com 24 anos. Os anos de academia, que coexistia com o mundo laboral que havia interrompido, trouxeram-me definitivamente a maturidade intelectual e uma visão integradora dos fenómenos que "fazem" uma sociedade.


Em 1988  tomei a iniciativa de me candidatar ao concurso de colocação de professores (para lecionar o que ainda andava a aprender!) arriscando um trabalho mal pago mas seguro, pela incerta condição de professor provisório; sem grandes convicções nem motivações, diga-se de passagem, a não ser uma necessidade de mudança e a expectativa desafiante de uma nova profissão e um novo estatuto social.

 

(CP1 Privado) Foi também o ano em que formalizei pelo casamento o projeto de vida com a mulher que tinha escolhido oito anos antes. Já estava habituado à autodeterminação o que se tinha tornado de certo modo viciante, portanto, iniciar uma vida a dois exigiu da minha parte algum esforço de adaptação. Claro que casar foi um ato de liberdade pessoal, mas o bem comum requer alguma cedência de autonomia, a assunção de responsabilidades partilhadas como o pagamento de despesas ou a gestão doméstica e o desenvolvimento de projetos conjuntos. No entanto, creio que  o casamento não deve anular a personalidade das pessoas nem impedir alguns espaços e tempos de liberdade pessoal. Por exemplo, o casamento não me impediu a prática durante mais de 12 anos de desporto federado (cicloturismo), nem de outras atividades com amigos e colegas.


Em 1990 conclui a Licenciatura em Geografia. A experiência que entretanto tinha desenvolvido enquanto professor, revelou-se muito mais gratificante do que eu próprio imaginava no início e, impulsionado pelo sucesso, pedi reingresso à Universidade para frequentar a Variante de Formação Educacional, que vim a concluir em 1992. Estava consumada a minha entrada definitiva na carreira do Ensino.

 

Os anos 90 foram os de maior crescimento económico no país. O bem-estar geral deixou de ser uma miragem e, com o passar do tempo fui-me apercebendo que as grandes causas, como por exemplo as que marcaram os anos da revolução, eram agora antiguidades esvaídas de sentido, principalmente para as gerações que já nasceram na democracia. Os objetivos de vida são agora determinados mais pelo facilitismo que pela conquista, mais pelo consumismo imediato que pela capacidade de optar, mais pelo que parece ser que pelo que é. A prosperidade trouxe mais dinheiro, sem dúvida, mas empobreceu as mentes e provocou uma miopia tal, que mal se consegue ver para além do umbigo.


Também eu, certamente, me fui instalando no conforto que um melhor nível de vida me deu. Creio, todavia, nunca ter perdido de vista as grandes referências que sempre me guiaram. Por isso, nunca me limitei a deixar correr os dias e por onde fui passando, seja no domínio privado, profissional ou na sociedade civil, fui também interagindo.


Chegou, entretanto, o fim milénio... ou, como sempre preferi pensar, o início do milénio! "Há um tempo para tudo" (Eclesiastes) e provavelmente ainda não está na hora de fazer retrospetivas deste terceiro milénio que mal começou. Parece, no entanto, que os tempos estão conturbados como nunca. A "aldeia global" gerou uma cidade global com um centro hiperdesenvolvido e um subúrbio que varia entre o bairro de lata e o mais hediondo limbo onde ser Homem nada significa. A cidade global está insustentável e perigosamente desequilibrada... não sei se mais ainda, que nos velhos tempos da guerra fria. (CP5 Macro-estrutural) Há povos que continuam a esmagar outros povos, porque têm sede de poder e de riqueza; a intolerância e o racismo recrudesceram; voltaram as cruzadas e as intifadas; prevalece a lei do mais forte e o valor do ser humano tornou-se tão desprezível que se justificam todas as guerras, massacres e atentados que nos entram pela casa dentro através dos média.

 

Foi por isso que vivi intensamente os tristemente famosos acontecimentos em Timor após a descolonização. Primeiro, revoltado com a repressão, a violência e o desrespeito pela vida a que aquele povo esteve sujeito; espantado com a sua capacidade de resistência a uma potência militar esmagadora; e depois em júbilo pela mobilização que o nosso país foi capaz de fazer após o referendo de 1999. O antigo colonizador assumindo as suas responsabilidades históricas, revelou ao Mundo uma conduta moral exemplar e afirmou-se internacionalmente, ao defender até ao limite do possível a dignidade do povo de Timor e o seu direito à autodeterminação.

 

Mas, os homens e os povos são capazes do melhor e do pior! O atentado às Tween Towers em 2001 (cinco décadas após a II Guerra Mundial) assinala o dia em que a guerra, o terrorismo e a insegurança passaram a ser também fenómenos globais.

Nós, por cá, todos bem... ou se calhar nem tanto! Tudo depende dos termos de comparação! Creio que vivemos tempos de expectativa, de incerteza e de insegurança(s), que se refletem numa autoestima que já viu melhores dias. Dizem alguns pensadores que há uma crise de valores a montante da crise financeira... eu prefiro pensar que faltam as grandes causas. Pela minha parte, ainda consigo encontrar algumas, ou pelo menos, esforço-me por não me desenquadrar totalmente daquelas em que sempre me revi.


 

Ideias, ideais e idealismos

Considero-me criativo e moderadamente teimoso... ou persistente! Por outras palavras, ideias não me faltam e por aquelas em que me empenho, sou capaz de lutar até ao fim... ou seja, até passarem de projeto para a algo concreto. Não o afirmo com o espírito de autoelogio, mas com o de gratidão para com a vida, que me facultou as oportunidades para desenvolver essa capacidade. Afinal, a maior parte do que somos (sem querer destituir a genética do seu papel) resulta de um somatório de experiências, de vivências, de contactos, de acasos mais ou menos importantes, que vão sendo lidos e processados ao nível do consciente e se vão inscrevendo na matriz obscura do subconsciente. E assim, lenta e despercebidamente nos vamos transformando no ser único que cada um de nós é.


Das ideias aos ideais - um percurso  natural, pois os ideais resultam do desenvolvimento daquelas ideias que vamos formando no nosso consciente que, por serem tão importantes, acabam por determinar a nossa atitude perante a vida. Um ideal de vida não se compra, não se herda; é construído dia-a-dia, pelos sítios onde passamos, com as pessoas com quem criamos cumplicidades e com aquelas de quem divergimos. Adiciona-se a capacidade reflexiva e é assim que se criam os nossos quadros de referências.

E quais são, então,  os meus ideais? Não é coisa que se enumere facilmente, mas mesmo que considerados em planos tão distintos como o espiritual, o político, o social, ou o estético, penso que consigo encontrar um denominador comum que se condensa na frase: "uma vida com um sentido!" E como nenhum homem é uma ilha, uma vida com sentido implica que todos, eu, aqueles com quem me cruzo e aqueles que nunca conhecerei, possam viver com a dignidade que a razão e o humanismo conferem e exigem. Encontrar um sentido, ou sentidos, para a vida (a minha vida), é o mesmo que percorrer uma espiral; começa-se pelo centro, mas em cada circunvolução vamo-nos afastando do mesmo e adicionando novos contextos àqueles que já de nós faziam parte. Ou seja, vamos perdendo a visão de nós próprios como centro do mundo e adquirindo a visão de nós próprios como parte de um mundo cujo centro não sabemos onde é, nem se existe. Deixamos de ver apenas um azulejo para ver a parede toda e, assim, ao mesmo tempo que nos diluímos, enriquecemo-nos. Enquanto vou percorrendo a minha espiral, vou também procurando os meus "sentidos", pelos sítios que vou atravessando, nas pessoas que se atravessam no meu caminho e nos enigmas que me atravessam o pensamento.
 

(CP5 Privado, CP6 Privado, CP7 Privado) Ainda assim, afirmarei os meus grandes ideais, o meu referencial de vida: considero-me um republicano, laico, da esquerda moderna e democrática. O mesmo significa dizer que defendo um modelo de sociedade organizada num Estado Democrático, em que todos os órgãos de soberania sejam eleitos por sufrágio universal; uma sociedade organizada um Estado de Direito subordinado a uma Constituição, por sua vez subordinada à Declaração Universal dos Direitos do Homem; uma sociedade assente na trilogia Liberdade (civil e política), Igualdade (na dignidade, nas oportunidades e perante a Lei) e Fraternidade (entre cidadãos, entre povos, entre Estados); uma sociedade organizada num Estado que garanta a todos os cidadãos os direitos e liberdades fundamentais, mas que permita o desenvolvimento de uma sociedade civil onde o cidadão comum, individualmente ou em associação, possa exercer cabalmente a sua cidadania ativa e responsável; finalmente, uma sociedade laica, em que há uma separação absoluta do poder estatal e do poder religioso, mas que respeite e não discrimine as igrejas e confissões religiosas.

Volto aos sentidos e à procura de um sentido para a vida! Os ideais só têm sentido se materializarem em atitudes. Daí a minha presença proativa nos diversos domínios em que uma vida se desdobra: privado, profissional e social. Sou uma pessoa assertiva, quer no que se refere aos atos quer às palavras e considero todos os espaços e tempos propícios para o exercício da cidadania: uma conversa com amigos, uma leitura partilhada, ou o microblogging nas redes sociais da internet, são tão propícios como uma sessão de formação em cidadania propriamente dita; de igual modo a predisposição para a autonomia e flexibilidade no trabalho e para a formação contínua; ou ainda para o voluntariado. Como exemplos posso apontar as comunidades virtuais que dinamizo (https://cidmais.wordpress.com/, entre outras), a minha disponibilidade para ter integrado o Conselho Diretivo da EB 2,3 da Alembrança (durante 4 anos), a frequência do Curso de Mestrado em TIC e Educação (com vista à valorização pessoal e qualificação), a participação voluntária num projecto de recuperação de jovens em risco (Projeto Horizon na Costa de Caparica), ou ainda o voluntariado no âmbito da formação em TIC e Cidadania (numa IPSS de Almada). Todas foram ou são experiências gratificantes, mas que exigem disponibilidade a vários níveis, sendo que um dos mais importantes, é a disponibilidade para a tolerância e aceitação da diferença – diferentes formas de pensar, diferentes prioridades, diferentes idades e sexos, diferentes condições sócioeconómicas, diferentes graus de cultura, diferentes quadros ideológicos, diferentes competências... “todos diferentes, todos iguais” no humanismo, que deve(ria) ser o nosso fio condutor no labirinto da vida.

Há quem pense que os ideais são próprios da juventude, fase da vida em que a generosidade e a entrega às grandes causas, se explica pela inconsciência a raiar a irresponsabilidade e pela imaturidade própria de quem ainda viveu pouco. Com o passar do tempo, vêm os compromissos familiares, profissionais e outros. Aí, tudo muda, não há mais tempo para pensamentos metafísicos e a maturidade conduz, enfim, a outras preocupações mais mundanas como o estatuto, o reconhecimento social, o bem-estar financeiro e o conforto de uma vida previsível.
Coisa mais enganadora (em minha opinião, claro está) não pode haver! Se perdermos a centelha de idealismo que nos verdes anos nos levavam a mover montanhas, cristalizamos e, em pouco tempo, esvai-se o sentido da procura de sentidos. Então, as nossas preocupações resumir-se-ão ao colesterol e à hipertensão, ao automóvel que ambicionamos apresentar, ao enriquecimento da coleção de eletrodomésticos e outros trastes que nos empeçam o caminho e, quanto a preocupações, o melhor será ficarmo-nos pelo futebol ou pela telenovela! Com frequência regular, notaremos todos os males do mundo, atirando para o abstrato dos que nos governam as culpas, pois nós nada podemos fazer!

Espero nunca vir a envelhecer tanto! Mesmo que a vida me ofereça outros cinquenta anos...


 

A Escola e a vida

A vida tem destas coisas! Eu que nunca me entusiasmei muito com a escola enquanto estudante, dei em professor!


Devo confessar que a decisão de me tornar professor, não foi uma opção fundamentada num sentimento forte de vocação, mas em razões muito mais veniais, de sobrevivência económica. E assim, lá comecei em 1988 por debitar umas noções, teorias, dogmas e certezas, "incentivando" os alunos a cumprir aquelas tarefas - ler, memorizar e reproduzir - cuja utilidade eu próprio ainda me esforçava por compreender!


Mas as coisas mudam e a verdade é que nos bancos da escola, agora no papel de professor, enquanto ensinava, aprendi muito... Impõe-se uma correcção: estes verbos, ensinar e aprender, tem de ser colocados no tempo presente. Um professor está sempre em idade escolar!

Fundamentalmente, considero-me um educador, passe a quase displicência com que, com uma simples palavra, me reporto a uma tão grande responsabilidade. E porque creio que a educação e a "escola cultural" são um direito de todos e um dever da sociedade para com todos, a minha intervenção na Escola, rapidamente deixou de se limitar a uma sala de aula e a um conjunto de conceitos muito bem definidos e arrumados num programa curricular. Ensinar Geografia, ou qualquer outra área do saber, só tem verdadeiramente sentido num contexto mais vasto de educação; educação para a cidadania, educação ambiental, educação para os valores (éticos, senão morais!)...


Ajudar os jovens a descobrir o papel da Geografia, na compreensão de um mundo que é fantástico, imenso de coisas ainda por descobrir e maravilhosamente belo, apesar de tantos desequilíbrios, colocou-me em rota de colisão com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). À medida em que fui percecionando o seu enorme potencial informativo e formativo, fui igualmente desenvolvendo um conceito de escola alargado em relação ao espaço físico que a encerra, mais interdisciplinar que multidisciplinar, um espaço de trocas muito para além das que se processam na relação professor/aluno dentro da sala de aula. Numa escola moderna, torna-se necessário criar espaços e tempos para que alunos e professores possam experienciar a aventura do conhecimento para além do espaço/tempo aula e, desta forma, articular cada vez mais a escola com as exigências da moderna “sociedade da informação”.


Considero as TIC como uma ferramenta e não mais que uma ferramenta, para uma "escola cultural". Deverão, portanto, ser encaradas como um meio e não um objetivo terminal a atingir, caso contrário poderemos cair no absurdo da escola informatizada mas não informada, com muitos computadores e muitos processos automatizados, mas sem que estes sirvam verdadeiros projetos educativos.

No limiar do terceiro milénio, a iliteracia ainda existe e exclui!
O desenvolvimento de competências na utilização TIC, só ganha o seu verdadeiro sentido se considerado numa perspectiva transversal em relação às diferentes disciplinas e, não será demais recordar que, nos nossos dias, literacia tecnológica é muito mais do que a capacidade de operar com um computador pessoal; é ser capaz de procurar, de processar, de produzir, de comunicar, de trabalhar colaborativamente... porque é isso que se espera que o Homem do séc XXI seja capaz de fazer - utilizar a internet como plataforma de construção conjunta do conhecimento.

 

Mas convenhamos que esta mudança não é fácil; nem vai ser rápida! Nós todos aprendemos naquele modelo de Escola transmissiva que incorporámos no nosso subconsciente apesar de, por vezes, o consciente o rejeitar. Por outro lado, parece-me que as instituições ainda são mais resistentes à mudança que as pessoas. E isto não é algo que tenha a ver com a idade!
Mas claro, é urgente a mudança: adaptar a Escola às necessidades da sociedade atual. Os desafios de uma escola moderna, são enormes e, por isso mesmo, tão interessantes. E também são muitos diversificados! Um deles é a Educação e Formação ao Longo da Vida.

 

(Continua... quando tiver tempo! Ou pachorra...)